Bom dia, pessoal!

Há algum tempo, eu tenho por meta anual ler um romance russo, e este foi o ano de Anna Karenina de Liev Tolstói. Muitas vezes, encontro reflexões em um livro em trechos que nada tem a ver com a história principal e, desta vez, não foi diferente.

Lembrando que este é um livro da segunda metade do século XIX e, para contextualizar, alguns personagens masculinos estão discutindo sobre a exigência, por parte das mulheres, do direito ao voto. Um dos interlocutores argumenta, então, que votar não é um direito, mas um dever. Dessa forma, as mulheres não estariam pedindo por direitos mas estariam pedindo para assumir mais deveres. 

Fiquei pensando se o argumento é tão absurdo assim. Quantos deveres, ao longo do tempo, não passamos a ver como direitos e quais foram as consequências dessa transformação? O dever é uma atitude ativa, que exige protagonismo de um sujeito, que está bem determinado. Assim, você ter o dever de fazer algo significa que a responsabilidade pela ação e por sua qualidade são suas e por elas você poderá ser cobrado. No entanto, ao transformar esse mesmo dever em direito, tanto o sujeito como sua responsabilidade passam a um segundo plano. Por exemplo, a sociedade estabeleceu há muito tempo que é dever dos mais jovens honrar e respeitar os mais velhos; esse dever tinha, portanto, um agente claro. Entretanto, se passamos a dizer que os idosos têm o direito de serem honrados e tratados com respeito, o agente some e não vai se sentir cobrado. 

Gramaticalmente, é muito fácil para o agente da passiva se esconder da ação e, na prática, não se sentir responsável. Neste caso, é inevitável que ocorra um jogo de transferência de responsabilidades. Quantos deveres desse tipo não trocamos por direitos ao longo do tempo? Não será por isso que, hoje em dia, só se fala em direitos e os deveres são ignorados?   

Ok, viajei na maionese com Anna Karenina, mas essa é uma das possibilidades mais bacanas da literatura. Por isso que há muito mais do que a ação em um clássico e por isso ele se apresenta de forma diferente a cada leitura.

Tenham todos uma ótima semana!

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